Passados dois dias de trekking, já estávamos um pouco cansados. Mas o melhor e o pior da caminhada estava por vir. E é isso que vamos contar abaixo, na visão de cada um. Continuando o nosso diário de trekking no Nepal:
Dia 3
Por ela:
Meu Deus! Não sinto minhas pernas, ou melhor, sinto muitas dores nas pernas. Subir o Monte Sinai no Egito foi fichinha para o que passamos hoje!
Depois de ver o Poon Hill voltamos para o hotel, tomamos café e saímos para o trekking do dia. Na teoria hoje começava nossa descida das montanhas, mas na prática não foi bem assim. Logo de cara é uma hora de subida, e quando entramos na mata fechada veio a chuva. Até paramos um pouco, mas não podíamos perder muito tempo e decidimos ir na garoa mesmo. Nesse começo muita gente indo e vindo, um pouco confuso, chuva, poucas vilas com estrutura.
A chuva apertou e vimos muita gente parar pra comer nos pequenos restaurantes. Era só 11h e decidimos seguir. Quase ninguém cruzando nosso caminho, que agora estava cheio de lama. As escadas voltaram, e ao contrário do que pensamos, muitas vezes estávamos subindo. Foi puxado, mas depois de 3 horas chegamos molhados em Tadapani. Nosso amigo indiano já estava lá e nos convidou pra comer em uma guest house. Deu pera secar um pouco a roupa, mas o tempo feio lá fora já apertava.
Mais quatro horas de caminhada nos esperava, as quatro horas mais tensas do trekking. Não só pelo esforço físico, mas pegamos temporais e nos vimos sozinhos por muito tempo. No segundo temporal tivemos que parar numa guest house que ainda bem estava no nosso caminho. A vila que pararíamos estava a 40 minutos, mas trovejou muito. Imaginei que não sairíamos dali, a chuva não parava e a claridade não era a mesma, eram quase 16h30. A ideia de ficar ali não nos agradou nem um pouco e na primeira brecha da chuva, picamos a mula.
Nesse momento em diante não senti mais dor nenhuma, estava com medo de escurecer, só queria chegar logo na nossa vila. As vezes ficamos com receio de estar no caminho errado, ninguém para perguntar. Eis que 8 horas depois da saída de Ghorepani chegamos na linda vila de Ghandruk. Para nossa feliz surpresa, nossos amigos francês e indiano estavam lá. Um banho, uma cerveja e um bom prato de comida. Meu medo é não conseguir mexer minhas pernas amanhã. Meu joelho parece ter sofrido por 90 anos, a coxa e panturrilha estão duras. Tomamos pouca água durante o dia porque não estava calor. O jeito é tentar tomar o máximo de água durante a noite para tentar hidratar os músculos. Medo de nem conseguir levantar da cama amanhã.
Por ele:
Hoje foi foda! Foram 20 km de caminhada em 8 horas, com calor, frio e chuva. Mas tenho que dizer que hoje tive a mais linda vista da minha vida. Do alto do Poon Hill, 3.200 metros acima do nível do mar, as montanhas nevadas do Himalaia, maravilhoso.
Acordamos as 4h30 e lá fomos nós e os 3 gringos subir o Poon Hill. Só 45 minutos de caminhada para ver o nascer do sol lá de cima. Não tenho palavras para descrever, só indo para saber como é. As fotos podem mostrar um pouco. Ficamos lá umas 2 horas e descemos de volta para a guest house para o café da manhã. Às 9h começamos a descida para Ghandruk. Na verdade, subida e descida, subida e descida.
Até aqui foi o dia mais complicado, terrenos molhados, escadas, pedras e alguns momentos de chuva e frio. Paramos em Tadapani para almoçar, encontramos o indiano e continuamos a trilha. Mas o bicho é muito rápido, em 1 hora já não via mais ele.
E quando já estávamos perto de Ghandruk, começou uma chuva forte com trovões. Tivemos que parar numa guest house, a mata não é um bom local para ficar andando com chuva, é um ótimo local para tomar um raio na cabeça, né. Ali me bateu um desânimo, não gostei dos donos e achei que dali não sairíamos mais, mas felizmente a chuva deu uma trégua e seguimos para a vila. Encontramos nossos amigos na guest house e aqui estamos.
No momento me sinto completamente quebrado, com dificuldades para andar. Foi uma caminhada tensa, mesmo. Ainda mais que tivemos que correr por causa da chuva. O que será de mim amanhã eu não sei, talvez precise de um guindaste. Jantar e repousar será o melhor remédio. E só uma cervejinha, vai.
Dia 4
Por ela:
Levantar da cama e conseguir ir ao banheiro já foi um bom sinal! Conseguir descer as escadas para tomar café da manhã também. Ir na varandinha da guest house e dar de cara com uma montanha cheia de neve me deu um ânimo inexplicável! As dores não importaram mais. Foi o vilarejo mais com cara de vilarejo que já conheci. Aqueles que você só vê em quadros de casas antigas.
A vontade de ir embora também fez as dores desaparecerem. Não que tenha sido ruim, mas a vontade de dizer ‘nós conseguimos’ era agora nosso combustível. Totalmente diferente das últimas horas de caminhada do dia anterior, hoje nosso trekking começou com um Sol de aquecer a alma.
Escadas não foram o problema, a vista compensou. Aprendemos uma tática com o nosso amigo indiano: tente descer escadas correndo, os joelhos doerão menos. E depois de 5 minutos de caminhada já estava aquecida, e as corridinhas nas escadas funcionaram!
A última hora de caminhada não foi um grand finale, apenas uma estrada, nada muito interessante. Mas cruzar a ponte das bandeirolas, aquela que quando a vi há 3 dias e já me sentia exausta, me fez pular de alegria. Mais 20 minutos de caminhada e pegamos o busão de volta para Pokhara. Conseguimos! Nós conseguimos! Foi incrível! Te-lô ao meu lado e passar tudo isso com ele foi melhor ainda!
Por ele:
Acordei quebrado. Muitas dores nas pernas. Mas o visual de bom dia que tivemos da Cordilheira do Himalaia, lá na guest house de Ghandruk, me fez melhor para encarar o último dia de trekking.
Já estava cansado, não via a hora de chegar a Nayapul, o destino final. Nos despedimos dos nossos amigos francês e indiano e lá fomos nós. Dessa vez o caminho teve muita descida. Apostamos na tática de descer correndo e foi bom. Esquecemos das dores e chegamos rapidinho, em pouco mais de 3 horas.
No começo da caminhada fomos brindados com belas vistas para as montanhas, incríveis cenários. Mas depois o caminho ficou mais urbanizado. Passamos por muitas vilas e o visual não era mais tão bonito. Já sinto saudades do que passamos.
No geral foi uma caminhada bem tranquila. Chegamos ao final com a sensação de que “superamos o desafio”. Foram mais de 50 km de caminhada, muitas surpresas, amigos novos, experiências diferentes. Pra mim, aqui estão os melhores 4 dias de nossa viagem. E certo de que um dia voltarei ao Nepal para superar outros desafios, quem sabe chegar até a base do Everest.